Troca de ideias com um dos maiores hippies de Caxias

Claudio Troian já foi músico, publicitário e hoje é produtor de eventos na Cidade

Ser hippie voltou a ser moda. Voltamos a ver garotas usando saias compridas, faixas ao redor da cabeça e tatuagens cheias de simbologia. Do lado dos meninos, vemos as calças com formas geométricas, as camisas com desenhos psicodélicos e as barbas grandes que cobrem seus rostos. As músicas dos anos 60 e 70 também estão em evidência, junto com bandas mais novas que seguem uma linha “Pink Floyd” de fazer música.
Com isso na cabeça, resolvemos entrevistar alguém que sabe o que é isso. Um hippie de verdade, que viveu a cena, que curtiu shows dos Mutantes na época em que a Rita Lee ainda era bonita, que aguardava ansiosamente o ano de 1974 para um novo álbum do Pink Floyd

Mas quem?

Por sorte me lembrei de um cara que eu conheci há mais ou menos três meses. Eu cobria um evento no Centro de Cultura Ordovás, e quando fui fumar observei um senhor, careca, com uma barbicha branca como a neve, de pé em cima de um banco falando para diversos jovens sobre religião, astros e signos, enquanto os jovens hippies, boquiabertos, apenas observavam sem dar um “pio”. Me juntei à essa pseudo palestra e lembro que fiz diversas perguntas à ele, que as respondia de uma maneira convincente, com um jeito de quem está há anos pesquisando tais assuntos.

Falei com uma amiga minha (que por acaso conhecia ele muito bem) para me passar o contato desse homem, Claudio Troian. Falei com ele através do facebook e combinamos de fazer uma entrevista na casa dele, e lá eu fui.

Munido de um gravador e levando minha amiga e seu namorado na carona do carro, me direcionei a casa de Claudio. Tocamos a campainha e esperamos brincando com seus dois gatos que ficavam no pátio até ele aparecer, com sua pose altiva, camiseta e calça preta, justa, combinando com seu All Star, também preto para abrir a porta para nós.

– Então tu é o Luiz? – ele disse

– Eu mesmo – respondi.

E lá fomos.

Entramos em sua casa, impressionantemente organizada, enquanto ele dizia-nos para ficarmos a vontade e sentarmos que ele prepararia uma bebida para nós todos. Ele volta com um copo de Campari e me oferece, prontamente tomo um gole para não fazer desfeita, e ele senta.

– O que tu quer saber? – ele diz

– Olha, muita coisa na verdade – respondo.

Meu foco, como já falei, era saber sobre o movimento Hippie dessa época, mas para adentrar em sua memória, precisaríamos conversar sobre sua vida. Então peço onde ele nasceu e deixo que ele continue a história.

Rapidamente ele me conta que nasceu em Porto Alegre, e que com aproximadamente 10 anos foi morar em Bento Gonçalves com a sua família (pai, mãe e uma irmã). Apesar de ter muitos amigos em Bento, odiava a cidade, pois, segundo ele, sofreu muito bullying em sua infância, um pouco por ser beatlemaníaco em uma sociedade conservadora, mas ele não quis adentrar no assunto. Continuando suas aventuras, já mais velho, tocou em uma banda chamada Talento, que se apresentava em bailes na cidade, mas que não passava de uma brincadeira, segundo ele.

Com dezoito anos alistou-se no exército e foi escolhido para servir no ano de 1968. Por sorte foi escolhido para tocar na banda, onde aprendeu a entender a música, e não apenas a ouvi-la. Foi contrabaixista, e dizia que a cada dois meses eles se apresentavam em bailes do exército, ora para sargentos, ora para oficiais. Devido ao público que variava muito, tornou-se um músico versátil, tocando desde músicas bregas brasileiras, até o rock and roll inglês.

Troian terminou seu serviço militar dez meses e vinte e sente dias depois que entrou e, quando saiu, decidiu morar em Porto Alegre, sua terra natal. Seus pais foram para a capital com ele, mas pouco tempo depois estavam de volta a Bento. Ele não.
Já em Porto Alegre, conheceu dois vizinhos seus que estavam precisando de um baixista para sua banda. Claudio (ou Troian, ou até mesmo Troias) havia tocado baixo na banda do quartel, então se candidatou para a vaga. E conseguiu. Nessa banda tocou novamente no circuito de bandas de baile, já que, segundo ele, haviam muitos clubes parecidos com o Clube Juvenil de Caxias do Sul em Porto Alegre, praticamente um por bairro. A banda terminou e Troian entrou para a banda Khaos.

O hippie ficou anos tocando na Khaos, banda que por anos tocou nos clubes acima citados, porém com um visual e um som completamente diferentes, voltado para o rock and roll psicodélico. Contou-me diversas histórias sobre os shows que fez com essa banda. Uma delas foi sobre um episódio em que seu vocalista entrou dentro de um caixão enquanto Cláudio usava uma máscara de ogro e um chapéu. Uma outra, dita sobre a vez em que ele e seu guitarrista se deram um “selinho” no meio do show, para delírio dos mais liberais e loucura dos mais conservadores.

Com a chegada dos anos 80, porém, ficou mais difícil se manter no cenário. Um dos motivos foi a mudança dentro do rock, que saiu do circuito psicodélico para um meio mais hard rock, diferente do estilo da banda. O outro, que sacramentou sua saída da Khaos, foi a chegada dos DJs e dos “clubes dançantes”. O público que costumava ir para seus shows agora ia para boates ouvir músicas eletrônicas ao invés de ouvir o bom e velho rock and roll. Os produtores optavam por contratar os DJs por serem mais baratos também, e isso foi tornando os shows cada vez mais escassos. Sua saída da Khaos foi conturbada, e vi que ele se incomodava muito com esse assunto, pediu-me se havia algum problema em deixar essa parte da história “off the Record”, eu disse que não, então ele me contou como foi, mas sem deixar-me reproduzi-la nesse texto.

Com o final dessa fase de sua vida, virou produtor cultural, rodou o país, morou em Vitória, produziu diversos shows, como um mega show com a cantora Xuxa no auge de sua fama. Com relação à Ditadura militar, disse que nunca teve problemas sérios, afinal, não se preocupava tanto com política na época. Contou-me mais alguns casos e pediu licença, pois iria se arrumar para um encontro. No ápice de seus 64 anos, Claudio continua vivendo um estilo de vida rock and roll afinal.

Texto: Luiz Schmitz

Deixe um comentário